B U R E A U O F P U B L I C S E C R E T S |
Os ut�picos n�o prev�em a diversidade p�s-revolucionaria
Descentraliza��o e coordena��o
Salvaguardas contra os abusos
Consenso e dominio da maioria
Eliminar as ra�zes da guerra e do crime
Aboli��o do dinheiro
Absurdo da maior parte do trabalho presente
Transformar o trabalho em jogo
Obje��es tecnof�bicas
Temas ecol�gicos
O florescimento de comunidades livres
Problemas mais interessantes
"Dir�o, naturalmente, que um esquema como o exposto aqui � na realidade pouco pr�tico, e vai contra a natureza humana. � totalmente certo. � pouco pr�tico, e vai contra a natureza humana. Mas � por isso que merece a pena ser levado a cabo, e � por isso que algu�m o prop�e. O que �, pois, um esquema pr�tico? Um esquema pr�tico � um esquema que j� existe e que pode ser levado a cabo sob as atuais condi��es. Um esquema que se oponha �s atuais condi��es, ou que aceite tais condi��es ser� equivocado e est�pido. As condi��es devem ser superadas, e a natureza humana mudar�. A �nica coisa que realmente sabemos sobre a natureza humana � que ela muda. A �nica qualidade que podemos predicar a ela � a mudan�a. Os sistemas que fracassam s�o os que confiam na imutabilidade da natureza humana, e n�o em seu crescimento e desenvolvimento".
--Oscar Wilde, A alma do homem sob o socialismo
Os
ut�picos n�o prev�em a diversidade p�s-revolucion�ria
Marx considerava presun��o tentar predizer como viveriam as pessoas em uma sociedade livre. "Cabe a estas pessoas diz�-lo, quando e o que querem fazer, e que meios empregar. Eu n�o me sinto capacitado para oferecer nenhum conselho nesta mat�ria. Presumivelmente eles ser�o, pelo menos, t�o inteligentes quanto n�s" (carta a Kautsky, 1 de fevereiro de 1881). Sua mod�stia com respeito a isso � maior do que a daqueles que o acusam de arrog�ncia e autoritarismo ao mesmo tempo em que n�o vacilam em projetar suas pr�prias fantasias ao pronunciar-se acerca de qual sociedade pode ou n�o ser poss�vel.
� certo, sem embargo, que se Marx houvesse sido um pouco mais expl�cito acerca do que imaginava, teria sido mais dif�cil para os estalinistas burocratas fingir que levavam a cabo suas id�ias. Um prot�tipo exato de uma sociedade liberada n�o � poss�vel nem necess�rio, mas as pessoas devem ter alguma no��o de sua natureza e de sua viabilidade. A cren�a de que n�o h� nenhuma alternativa pr�tica ao atual sistema � algo que mant�m as pessoas resignadas.
As especula��es ut�picas podem ajudar a nos libertar do h�bito de aceitar o status quo como algo imut�vel, conseguir pensar sobre o que realmente queremos e sobre o que � poss�vel. O que as faz "ut�picas" no sentido pejorativo que Marx e Engels criticaram � que n�o levam em conta as presentes condi��es. N�o h� geralmente nenhuma no��o s�ria acerca de como poder�amos levar as coisas daqui at� l�. Ao ignorar os poderes repressivos e cooptadores do sistema, os autores ut�picos geralmente imaginam uma simplista mudan�a gradual, supondo que a dissemina��o das comunidades ou das id�ias ut�picas levar� mais gente a unir-se, ent�o o velho sistema simplesmente desmoronaria.
Espero que este texto proporcione algumas id�ias mais realistas sobre como poderia surgir uma nova sociedade. Em todo caso, irei agora mais al�m e farei algumas especula��es.
Admitamos para simplificar que uma revolu��o vitoriosa se estenda por todo o mundo sem uma grande destrui��o das infra-estruturas b�sicas, vamos desconsiderar os problemas da guerra civil, amea�as de interven��o externa, confus�es da desinforma��o ou atrasos ocasionados por importantes reconstru��es de emerg�ncia, e passamos a examinar algumas das quest�es que poderiam aparecer em uma nova sociedade que se transformou fundamentalmente.
Para maior clareza utilizarei o tempo futuro em vez do condicional, as id�ias apresentadas aqui s�o simplesmente possibilidades a considerar, n�o regras ou predi��es. Se tal revolu��o vier a ocorrer, alguns anos de experimenta��o popular mudar�o tanto as coisas que as predi��es mais atrevidas logo parecer�o ridiculamente t�midas e carentes de imagina��o. Tudo o que podemos fazer � imaginar os problemas que enfrentaremos no princ�pio e as principais tend�ncias a se desenvolverem mais adiante. Mas quanto mais exploramos as hip�teses, mais preparados estaremos para as novas possibilidades e menos risco haver� de retornar inconscientemente aos velhos modelos.
Longe de ser demasiado extravagantes, a maior parte da literatura ut�pica � excessivamente estreita, geralmente se limita a uma realiza��o monol�tica dos desejos do autor. Como Marie Louise Berneri destaca no melhor estudo sobre este tema (Journey Through Utopia), "Todas as utopias s�o, portanto, express�o de prefer�ncias pessoais, mas seus autores normalmente tem a vaidade de supor que seus gostos pessoais deveriam ser promulgados como leis; se acordam cedo, imaginam que sua comunidade ter� que estar de p� �s 4 da manh�; se detestam cosm�ticos femininos, utiliz�-los ser� um crime; se s�o maridos fi�is, a infidelidade ser� castigada com a morte".
Se h� algo que se pode predizer com confian�a sobre a nova sociedade, � que ela estar� bem al�m da imagina��o de qualquer indiv�duo ou de qualquer descri��o poss�vel realizada por uma s� pessoa. As diferentes comunidades refletir�o toda classe de prefer�ncias "est�tica e cient�fica, m�stica e racionalista, de alta tecnologia e neoprimitiva, solit�rio e comunal, trabalhador e pregui�oso, espartano e epicureano, tradicional e experimental" revolucionando continuamente todo tipo de novas e imprevis�veis combina��es.(1)
Descentraliza��o e coordena��o
Haver� uma forte tend�ncia � descentraliza��o e autonomia local. As pequenas comunidades promover�o h�bitos de coopera��o, possibilitar�o a democracia direta, e tornar�o poss�vel uma experimenta��o social mais rica: se um experimento local falha, apenas um pequeno grupo sofrer� as conseq��ncias (e outros poder�o ajudar); se tem �xito ser� imitado e suas vantagens se estender�o. Um sistema descentralizado � tamb�m menos vulner�vel a uma ruptura acidental ou � sabotagem. (Este �ltimo, de qualquer forma, ser� provavelmente insignificante: uma sociedade liberada ter� seguramente bem menos inimigos enraivecidos do que os que constantemente produz a atual sociedade).
Mas a descentraliza��o pode favorecer tamb�m o controle hier�rquico isolando as pessoas entre si. E h� coisas que podem ser melhor organizadas em grande escala. Uma �nica grande metal�rgica tem mais efic�cia energ�tica e � menos prejudicial ao ambiente que um forno de fundi��o em cada comunidade. O capitalismo inclinou-se � super-centraliza��o em certos terrenos em que uma maior diversidade e auto-sufici�ncia teriam mais sentido, mas sua compet�ncia irracional tem fragmentado tamb�m muitas coisas que poderiam ser mais suscept�veis de regularizar-se ou coordenar-se centralmente. Como destaca Paul Goodman em People or Personnel (livro que est� cheio de exemplos interessantes sobre os pr�s e os contras da descentraliza��o em diferentes contextos atuais), onde, como e quando descentralizar s�o quest�es emp�ricas que requerer�o experimenta��o. Tudo que podemos dizer � que a nova sociedade provavelmente ser� t�o descentralizada quanto poss�vel, mas sem fazer disso um fetiche. A maioria das coisas podem estar ao cuidado de pequenos grupos ou comunidades locais; os conselhos regionais e mundiais se limitar�o a temas de amplas ramifica��es ou que funcionem melhor em uma escala significativa, como a restaura��o do ambiente, a explora��o do espa�o, a resolu��o das disputas, o controle das epidemias, a coordena��o da produ��o global, a distribui��o, o transporte e a comunica��o, e a sustenta��o de certos meios especializados (p.e. cl�nicas ou centros de investiga��o de alta tecnologia).
Muitos dizem que a democracia direta funcionou satisfatoriamente nas assembl�ias dos povos antigos, e que o tamanho e a complexidade das sociedades modernas a torna imposs�vel. Como milh�es de pessoas poderiam expressar seu pr�prio ponto de vista sobre cada assunto?
N�o necessitam faz�-lo. A maioria dos assuntos pr�ticos se reduzem no final das contas a um n�mero limitado de op��es; uma vez definidas e fixados os argumentos mais significativos, pode-se chegar a uma decis�o sem mais delongas. Os observadores dos sovietes de 1905 e dos conselhos oper�rios h�ngaros de 1956 se impressionaram com a brevidade das manifesta��es das pessoas e a rapidez com que as decis�es eram tomadas. Os que falavam o essencial eram eleitos como delegados; os que mantinham um discurso vazio eram bastante criticados por fazer as pessoas perderem tempo.
Para assuntos mais complicados eram eleitos comit�s para estudar diferentes possibilidades e depois retornar para informar �s assembl�ias sobre as ramifica��es das diferentes op��es. Uma vez adotado um plano, comit�s menores poderiam continuar supervisionando sua evolu��o, notificando �s assembl�ias qualquer novo assunto relevante que possa implicar em mudan�as. Nos temas controversos se poderiam propor comit�s m�ltiplos que reflitam perspectivas opostas (p.e., pr�-tecn�logos contra anti-tecn�logos) para facilitar a formula��o de propostas alternativas e pontos de vista diferentes. Como sempre, os delegados n�o imporiam decis�es (exceto com respeito � organiza��o de seu pr�prio trabalho) e se elegeriam de modo rotativo e sujeitos sempre � destitui��o, assegurando assim que fa�am um bom trabalho e que suas responsabilidades temporais n�o lhes subam � cabe�a. Seu trabalho estar� aberto ao exame p�blico e as decis�es finais sempre reverter�o �s assembl�ias.
As tecnologias modernas de inform�tica e telecomunica��o permitir�o que qualquer um comprove instantaneamente os dados e suas proje��es por si mesmos, assim como comunicar suas pr�prias propostas. Apesar da atual propaganda tais tecnologias n�o promovem automaticamente a participa��o democr�tica; mas t�m o potencial de facilit�-la caso sejam modificadas adequadamente e posta sob controle popular.(2)
As telecomunica��es tamb�m tornar�o os delegados menos necess�rios que durante os movimentos radicais de antigamente, quando funcionavam em grande medida como simples portadores de informa��o de um local para outro. Diversas propostas podem circular e ser discutidas a uma s� vez, e se um tema tiver suficiente interesse as reuni�es do conselho se reportar�o diretamente �s assembl�ias locais, possibilitando que estas confirmem, modifiquem ou repudiem as decis�es dos delegados.
Mas quando os temas n�o forem particularmente pol�micos, provavelmente bastar� o envio de emiss�rios livres. Havendo chegado a alguma decis�o geral (p.e. "Este edif�cio deve ser remodelado para servir como dep�sito"), uma assembl�ia pode simplesmente pedir volunt�rios ou eleger um comit� para levar a cabo a id�ia sem preocupar-se com um rigoroso controle.
Os puristas ociosos sempre podem prever poss�veis abusos. "Ah!! Quem sabe que manobras elitistas e sutis podem ser empreendidas por estes delegados e especialistas tecnocratas!" Mas n�o � menos certo que um grande n�mero de pessoas n�o consegue vigiar diretamente cada detalhe em todo momento. Nenhuma sociedade pode evitar contar em alguma medida com a boa vontade e o sentido comum das pessoas. O fato � que os abusos s�o menos poss�veis sob a autogest�o generalizada do que sob qualquer outra forma de organiza��o social.
As pessoas que s�o suficientemente aut�nomas para inaugurar uma sociedade autogerida estar�o naturalmente atentas a qualquer ressurgimento de hierarquia. Vigiar�o como os delegados levam a cabo seus mandatos, e lhes "revezar�o" t�o freq�entemente quanto poss�vel. Para alguns prop�sitos poder�o eleger delegados por sorteio, como os antigos atenienses, para eliminar as tend�ncias que reduzem uma elei��o a um concurso de popularidade ou a uma negociata. Os assuntos que necessitam especialistas t�cnicos, estes ser�o cuidadosamente vigiados para que o conhecimento necess�rio se amplie ou para que a tecnologia em quest�o se simplifique ou se supere. Observadores c�ticos ser�o designados para dar o alarme ao primeiro sinal de fraude. Um especialista que d� informa��o falsa ser� descoberto rapidamente e publicamente desacreditado. A insinua��o mais leve de qualquer conspira��o hier�rquica ou de qualquer pr�tica exploradora ou monopol�stica despertar� o esc�ndalo universal e ser� eliminada por ostracismo, confisco, repress�o f�sica ou qualquer outro meio que se julgue necess�rio.
Estas e outras precau��es estar�o sempre a disposi��o dos que se preocupam com os potenciais abusos, mas duvido que sejam muito necess�rias. Quando se trata de quest�es importantes, as pessoas podem vigiar ou controlar a vontade. Mas na maioria dos casos provavelmente dar�o aos delegados uma margem razo�vel de liberdade de a��o para utilizar seu pr�prio crit�rio e criatividade.
A autogest�o generalizada evita tanto as formas hier�rquicas da esquerda tradicional como as formas mais simplistas de anarquismo. N�o se prende a nenhuma ideologia, nem mesmo do tipo "anti-autorit�ria". Se um problema exige algum tipo de conhecimento especializado ou algum grau de "lideran�a", as pessoas implicadas logo se dar�o conta disto e far�o o que consideram oportuno sem preocupar-se se os dogmas radicais em pauta os aprovam ou n�o. Para certas fun��es n�o conflituosas pode ser mais conveniente nomear especialistas por per�odos indefinidos de tempo, destituindo-os apenas no caso de abuso de posi��o. Em situa��es de emerg�ncia em que s�o essenciais decis�es r�pidas (p.e. apagar inc�ndios) designar�o pessoas com os poderes de autoridade provisionais que sejam necess�rios. Estos casos ser�o excepcionais.
A regra geral ser� o consenso quando pratic�vel, e a maioria quando necess�rio. Um personagem em News from Nowhere (uma das utopias mais sensatas, alegres e realistas) de William Morris exemplifica com uma ponte de metal que deve ser substitu�da por outra de pedra. Isso � proposto na Mote (assembl�ia da comunidade) seguinte. Se houvesse um claro consenso, o tema seria resolvido e em seguida seria levado adiante os detalhes de sua realiza��o. Mas
se alguns vizinhos divergem, se acham que a maldita ponte de a�o ainda pode ser �til e n�o querem se ocupar de construir uma nova, n�o votam nesta ocasi�o, mas postergam a discuss�o formal para o Mote seguinte; enquanto isso se disseminam argumentos pr� e contra, dos quais alguns s�o impressos, de forma que todo mundo sabe o que est� acontecendo; e quando a Mote volta a reunir-se outra vez h� uma discuss�o regular e por �ltimo se vota mediante levante de m�os. Se a margem entre as opini�es divididas � estreita, a quest�o � novamente submetida para uma discuss�o mais profunda; se a margem � ampla, pergunta-se � minoria se ela se submeteria � opini�o mais geral, o que comumente ocorre com freq��ncia. Se a resposta for negativa, a quest�o vai a debate pela terceira vez. Se a minoria n�o aumenta a olhos vistos, ela sempre cede; todavia, acho que existe uma regra meio esquecida pela qual ainda podem seguir em frente com ela; mas o que sempre ocorre � que acabam se convencendo, talvez n�o porque seu ponto de vista seja o pior, mas porque n�o podem persuadir ou for�ar a comunidade a aceit�-lo.
Note-se que o que simplifica enormemente estes casos � que j� n�o h� nenhum interesse econ�mico no conflito -- ningu�m tem meios ou motivos para subornar ou embromar pessoas para que votem de uma forma ou de outra porque ocasionalmente h� uma quantidade de dinheiro em jogo, controle dos meios de comunica��o, ou posse de uma companhia construtora ou uma parcela de terra pr�xima a um determinado local. Na aus�ncia de tais conflitos de interesse, as pessoas normalmente se inclinar�o � coopera��o e ao compromisso, mesmo que seja apenas para aplacar aos oponentes e tornar a vida mais f�cil para si mesmos. Algumas comunidades podem ter disposi��es formais para acomodar �s minorias (p. e. se, em vez de simplesmente votar n�o, 20% expressa uma "veemente obje��o" a alguma proposta, deve passar por uma maioria de 60%); mas � improv�vel que ningu�m abuse de tais poderes formais quando sabe que o lado contr�rio pode fazer o mesmo. A solu��o t�pica para constantes conflitos irreconcili�veis reside na ampla diversidade de culturas: se os que preferem pontes de metal, etc., s�o constantemente derrotados nas elei��es pelos tradicionalistas de artes e of�cios tipo Morris, podem sempre trasladar-se a alguma comunidade vizinha e fazer valer seus gostos e prefer�ncias.
A insist�ncia no consenso total apenas tem sentido quando o n�mero de pessoas envolvidas � relativamente pequeno e o tema n�o � urgente. Entre um amplo n�mero de pessoas a completa unanimidade raramente � poss�vel. � absurdo sustentar o direito de uma minoria de constantemente obstruir a maioria por medo de uma poss�vel tirania da maioria; ou imaginar que tais problemas desaparecer�o se evitamos as "estruturas".
Isso � manifesto em um artigo bem conhecido h� muitos anos (Jo Freeman: The Tyranny of Structurelessness)'. N�o h� algo que se possa chamar grupo "sem estrutura", h� simplesmente grupos com diferentes estruturas. Um grupo n�o estruturado acaba geralmente sendo dominado por uma camarilha que possui alguma estrutura efetiva. Os membros n�o organizados n�o t�m como controlar esta elite, especialmente quando sua ideologia anti-autorit�ria lhes impede admitir que existem.
Ao n�o reconhecer o dominio da maioria como respaldo suficiente quando n�o conseguem obter a unanimidade, os anarquistas e conselhistas muitas vezes tornam-se incapazes de chegar a decis�es pr�ticas, quando n�o seguem a l�deres de fato, especializados em manipular pessoas para lev�-las � unanimidade (apenas por sua capacidade de ag�entar reuni�es intermin�veis at� que toda oposi��o se aborre�a e v� para casa). Ao recha�ar desdenhosamente os conselhos oper�rios ou qualquer outra coisa com algum sinal de coes�o, geralmente acabam se contentando com projetos bem menos radicais que compartilham um m�nimo denominador comum.
� f�cil destacar os erros dos conselhos oper�rios do passado, que eram, no final das contas, improvisa��es apressadas de gente envolvida em desesperadas lutas. Embora aqueles breves esfor�os n�o fossem modelos perfeitos a ser cegamente imitados, representaram sem d�vida o passo mais pr�tico na dire��o correta naquela circunstancia. O artigo de Riesel sobre os conselhos ("Preliminares sobre os conselhos e a organiza��o conselhista") discute as limita��es destes velhos movimentos, e destaca corretamente que o poder conselhista deveria ser compreendido como a soberania das assembl�ias populares como um todo, n�o simplesmente dos conselhos de delegados eleitos. Grupos de oper�rios radicais na Espanha, querendo evitar qualquer ambig�idade sobre este �ltimo ponto, definiram-se a si mesmos mais como "assemblearios" ou "asamble�stas" do que como "conselhistas". Um dos panfletos do CMDO ("Mensagem a todos os trabalhadores") especifica os seguintes tra�os essenciais da democracia conselhista:
- Dissolu��o de todo poder externo
- Democracia direta e total
- Unifica��o pr�tica de decis�o e execu��o
- Delegados revog�veis a qualquer momento por aqueles que os nomearam
- Aboli��o da hierarquia e das especializa��es independentes
- Gest�o e transforma��o consciente de todas as condi��es para uma vida livre
- Participa��o permanentemente criativa das massas
- Extens�o e coordena��o internacionais
Uma vez reconhecidos e praticados estes pontos, pouco importar� se as pessoas se refiram � nova forma de organiza��o social como "anarquia", "comunalismo", "anarquismo comunista", "comunismo conselhista", "comunismo libert�rio", "socialismo libert�rio", "democracia participativa" ou "autogest�o generalizada", ou que seus diferentes componentes sobrepostos se chamem "conselhos oper�rios", "conselhos anti-trabalho", "conselhos revolucion�rios", "assembl�ias revolucion�rias", "assembl�ias populares", "comit�s populares", "comunas", "coletivos", "kibbutzim", "bolos", "motes", "grupos de afinidade", ou qualquer outra coisa. (O termo "autogest�o generalizada" desgra�adamente n�o � mui atrativo, mas tem a vantagem de referir-se tanto aos meios como aos fins uma vez que est� livre das conota��es enganosas de termos como "anarquia" ou "comunismo").
Em todo caso, � importante recordar que a organiza��o formal em grande escala ser� exce��o. A maior parte dos assuntos locais podem ser administrados direta e informalmente. Indiv�duos ou pequenos grupos simplesmente seguir�o adiante e far�o o que pare�a apropriado em cada situa��o ("ad-hocracia"). O dominio da maioria ser� simplesmente um �ltimo recurso em um n�mero cada vez menor de casos em que os conflitos de interesse n�o podem ser resolvidos de outro modo.
Uma sociedade n�o hier�rquica n�o sup�e que todos cheguem magicamente a ter o mesmo talento ou deva participar de tudo em igual medida; significa simplesmente que as hierarquias materialmente baseadas e refor�adas foram eliminadas. As diferen�as de capacidade sem d�vida diminuem quando todos s�o estimulados a desenvolver seus plenos potenciais, o importante � que qualquer diferen�a que permane�a n�o se transforme em diferen�a de riqueza ou de poder.
As pessoas poder�o tomar parte em um range bem maior de atividades do que agora, mas n�o ter�o que rodar todas as posi��es todo o tempo se n�o quiserem faze-lo. Se algu�m tem uma habilidade e destreza especiais para uma determinada tarefa, outros provavelmente estar�o contentes de permitir-lhe realiza-la quanto quiser -- pelo menos at� que algu�m mais queira fazer tamb�m. As "especializa��es independentes" (o controle monopolista sobre a informa��o ou sobre as tecnologias socialmente vitais) ser�o abolidas; mas florescer�o as especializa��es n�o dominadoras, abertas. O povo pedir� conselho a pessoas mais entendidas quando sentir a necessidade de faze-lo (embora os curiosos e perspicazes sempre se animar�o a investigar por si mesmos). Ser�o livres para submeter-se voluntariamente como estudantes a um professor, como aprendizes a um mestre, como jogadores a um treinador ou como atores a um diretor -- permanecendo livres tamb�m para abandonar a rela��o a qualquer momento. Em algumas atividades, como um grupo de m�sica folk, qualquer um poder� tomar parte ativa; outras, como interpretes de um concerto cl�ssico, podem requerer um treinamento rigoroso e uma dire��o coerente, com algumas pessoas assumindo o papel de l�deres, outras seguindo-as, e outras que se contentam simplesmente em escutar. Deveria haver plenas oportunidades para ambos os tipos. A cr�tica situacionista do espet�culo � a cr�tica de uma tend�ncia excessiva na sociedade atual; n�o implica que todos devamos ser "participantes ativos" vinte e quatro horas por dia.
Fora a necess�ria custodia dos incompetentes mentais, a �nica hierarquia inevitavelmente imposta ser� a do tempo necess�rio para criar as crian�as at� que sejam capazes de dirigir seus assuntos. Mas um mundo mais seguro e mais sadio poderia proporcionar �s crian�as mais liberdade e autonomia do que tem agora. Quando se trata de abrir-se novas possibilidades de vida festiva, os adultos podem aprender tanto deles como vice-versa. Aqui como em qualquer esfera, a regra geral ser� permitir �s pessoas encontrar seu pr�prio n�vel: uma menina de dez anos que tome parte em algum projeto pode ter tanto a dizer quanto seus co-participantes adultos, enquanto que um adulto n�o participante n�o ter� nada a dizer.
A autogest�o n�o sup�e que todos sejam g�nios, simplesmente sup�e que as maiorias n�o s�o est�pidos totais. � o sistema presente que faz demandas pouco realistas -- ao pretender que pessoas as quais sistematicamente imbeciliza sejam capazes de avaliar programas pol�ticos diferentes ou reclames publicit�rios de mercadorias rivais, ou de comprometer-se em atividades t�o complexas e importantes como a cria��o de crian�as ou da condu��o de um autom�vel em uma autopista movimentada. Com a supera��o de todos os pseudo-problemas pol�ticos e econ�micos que s�o mantidos agora intencionalmente na incompreens�o, a maior parte dos eventos que ocorrem n�o ser�o t�o complicados.
Quando as pessoas tem pela primeira vez a oportunidade de dirigir suas pr�prias vidas cometer�o sem d�vida um monte de erros; mas logo os descobrir�o e os corrigir�o porque, ao contr�rio da hierarquia, n�o ter�o interesse em encobri-los. A autogest�o n�o garante que as pessoas sempre tomar�o decis�es corretas; mais do que qualquer outra forma de organiza��o social, a autogest�o garante que ningu�m decidir� por elas.
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Eliminar as ra�zes da guerra e do crime
A aboli��o do capitalismo eliminar� os conflitos de interesse que agora servem como pretexto ao estado. A maioria das guerras atuais se baseiam em �ltima instancia em conflitos econ�micos; inclusive os antagonismos de tipo aparentemente �tnico, religioso ou ideol�gico derivam normalmente em grande parte de sua motiva��o real da compet�ncia econ�mica, ou de frustra��es psicol�gicas que est�o em �ltima instancia relacionadas com a repress�o pol�tica e econ�mica. Na medida em que a competi��o desesperada prevalece, as pessoas podem ser facilmente manipuladas e obrigadas a retornar a modos tradicionais de agrupamento e a disputas sobre diferen�as culturais pelas quais n�o se molestariam em condi��es mais confort�veis. A guerra implica em muito mais trabalho, penas e riscos que qualquer forma de atividade construtiva; as pessoas com oportunidades reais de realiza��o ter�o coisas mais interessantes a fazer.
O mesmo � v�lido para o crime. Deixando de lado os "crimes" sem v�timas [consumo de drogas, homossexualidade, etc.] a grande maioria dos crimes est�o direta ou indiretamente relacionados com o dinheiro e deixar�o de ter sentido depois da elimina��o do sistema mercantil. As comunidades ser�o ent�o livres para experimentar diversos m�todos para resolver qualquer ato anti-social ocasional que possa todavia ocorrer.
H� muitas possibilidades diferentes. As pessoas implicadas podem discutir suas quest�es diante da comunidade local ou diante de um "jurado" eleito por sorteio, que trataria de tomar as decis�es mais conciliadoras e reabilitadoras Um agressor convicto poderia ser "condenado" a algum tipo de servi�o p�blico -- n�o a um trabalho intencionalmente desagrad�vel e degradante administrado por s�dicos mesquinhos, que simplesmente produzem mais c�lera e ressentimento, mas projetos significativos e potencialmente atrativos que podem iniciar interesses mais sadios (a restaura��o ecol�gica, por exemplo). Alguns psicopatas incorrig�veis podem ter que ser refreados humanamente de uma forma ou de outra, mas tais casos seriam cada vez mais raros. (A atual prolifera��o da viol�ncia "gratuita" � uma rea��o previs�vel diante da aliena��o social, ou seja, as coisas funcionam de tal forma que aqueles que n�o s�o tratados como pessoas reais acabam pelo menos tendo a satisfa��o macabra de ser reconhecidos como amea�as reais). O ostracismo ser� uma medida dissuas�ria simples e efetiva: o valent�o que se ri da amea�a de um castigo severo, que apenas confirma seu prestigio de macho, pensar� duas vezes antes de cometer seus atos se souber que todos o desprezar�o por isso. Nos raros casos em que isso se mostrar inadequado, a diversidade de culturas pode fazer do desterro uma solu��o fact�vel: um car�ter violento que constantemente perturbe uma comunidade tranq�ila pode se integrar perfeitamente em alguma regi�o �spera e agitada, tipo oeste selvagem -- ou se expor a repres�lias menos agrad�veis.
Estas s�o apenas algumas das possibilidades. Um povo livre descobrir� sem d�vida outras solu��es mais criativas, efetivas e humanas que as que possamos imaginar atualmente. N�o digo que n�o haver�o problemas, mas haver�o muito menos problemas do que agora, onde as pessoas se encontram na base de uma ordem social absurda s�o severamente castigadas em seus b�rbaros esfor�os por escapar, ao mesmo tempo em que os que est�o em cima saqueiam o planeta com impunidade.
A barb�rie do atual sistema penal s� � superada pela sua estupidez. Os castigos draconianos tem repetidamente mostrado n�o ter um efeito significativo na propor��o de crimes, que est� diretamente vinculada com os n�veis de pobreza e desemprego e com fatores menos quantific�veis mas igualmente �bvios como racismo, a destrui��o das comunidades urbanas, e a aliena��o geral produzida pelo sistema espetacular -- mercantil. A amea�a de anos de pris�o, que pode ser um poderoso ant�doto para algu�m com um modo de vida satisfat�rio, significa pouco para quem n�o tem outras sa�das significativas. N�o � mui brilhante eliminar programas sociais que j� s�o lastimosamente inadequados com o fim de economizar, enquanto se enchem as pris�es de presos ao custo de cerca de um milh�o de d�lares cada um; mas como muitas outras pol�ticas sociais irracionais, esta ten�ncia persiste porque � refor�ada por poderosos interesses criados.(3)
* * *
Uma sociedade livre dever� abolir por completo a economia monet�ria-mercantil. Continuar aceitando a validade do dinheiro eq�ivale aceitar a domina��o continuada de quem previamente o acumulou, ou de quem ter� a falta de escr�pulos necess�ria para voltar a acumul�-lo depois de qualquer redistribui��o radical. Ser� necess�rio todavia outras formas de c�lculo "econ�mico" para certos prop�sitos, mas com um alcance cuidadosamente limitado tendendo a diminuir na medida em que o aumento da abund�ncia material e a coopera��o social as torne menos necess�rias.
Uma sociedade p�s-revolucionaria pode ter uma organiza��o econ�mica em tr�s n�veis:
1. Certos bens e servi�os b�sicos ser�o livremente acess�veis a todos sem nenhum tipo de contabilidade.
2. Outros tamb�m ser�o livres, mas apenas em quantidades limitadas, racionadas.
3. Outros, classificados como "luxo", ser�o acess�veis a troco de "cr�ditos".
Diferentemente do dinheiro, os cr�ditos se aplicar�o apenas a certos bens espec�ficos, n�o � propriedade comunal b�sica como a terra, os servi�os p�blicos ou os meios de produ��o. Tamb�m ter�o provavelmente tempo de expira��o para evitar qualquer acumula��o excessiva.
Tal sistema ser� mui flex�vel. Durante o per�odo de transi��o inicial a quantidade de bens gratuitos pode ser m�nima -- apenas o suficiente para que uma pessoa possa ajustar as contas -- requerendo a maioria dos bens um pagamento atrav�s de cr�ditos ganhos mediante o trabalho. Com o passar do tempo, ser� cada vez menos necess�rio o trabalho e mais bens ser�o acess�veis gratuitamente -- a propor��o entre os dois fatores rec�procos seguir� sempre determinada pelos conselhos. [p.e. podem decidir trabalhar mais para ter mais bens gratuitos, ou aceitar ter menos bens gratuitos por menos trabalho. Alguns cr�ditos podem distribuir-se genericamente, recebendo periodicamente cada pessoa uma certa quantidade; outros podem receber b�nus por certo tipo de trabalhos desagrad�veis ou perigosos quando houver escassez de volunt�rios. Os conselhos podem fixar pre�os para determinados luxos, deixando que outros sigam a lei da oferta e da procura; quando um luxo se tornar mais abundante ser� mais barato, talvez finalmente gratuito. Os bens podem mover-se de um n�vel a outro dependendo das condi��es materiais e as preferencias da comunidade.
Estas s�o apenas algumas das possibilidades.(4) Ao experimentar m�todos diferentes, as pessoas prontamente se dar�o conta por si mesmas de que forma de propriedade, interc�mbio e contabilidade necessitar�o.
De qualquer forma, quaisquer que sejam os problemas "econ�micos" que possam permanecer, n�o ser�o s�rios porque os limites impostos pela escassez ser�o um fator apenas no setor dos "luxos" n�o essenciais. O acesso universal gratuito � comida, roupa, moradia, servi�os p�blicos, assist�ncia sanit�ria, transporte, comunica��o, educa��o e facilidades culturais poder�o ser alcan�ados quase imediatamente nas regi�es industrializadas e dentro de um breve per�odo de tempo nas menos desenvolvidas. Muitas destas coisas j� existem e simplesmente necessitam tornar-se mais eq�itativamente acess�veis; as que n�o, podem ser facilmente produzidas uma vez que a energia social se desvie de empresas irracionais.
Tomemos a quest�o da moradia, por exemplo. Os ativistas pela paz tem destacado constantemente que todo mundo poderia dispor de moradia digna por menos do que custam algumas semanas de desdobramento militar mundial. Sem d�vida pensam em termos de uma esp�cie de moradia simples; mas se a quantidade de energia que a gente despende agora trabalhando para enriquecer propriet�rios e imobili�rias se desviasse para a constru��o de novas moradias, prontamente todo mundo poderia ser alojado com dignidade.
A princ�pio, a maioria poderia continuar vivendo onde est� e concentrar-se na constru��o de moradias acess�veis para pessoas sem teto. Os hot�is e os edif�cios de escrit�rios poderiam tornar-se dispon�veis. Algumas propriedades escandalosamente extravagantes podem ser requisitadas e transformadas em moradias, parques, jardins comunit�rios, etc. Diante desta tend�ncia, aqueles que possuem propriedades relativamente espa�osas podem oferec�-las para alojamento tempor�rio de pessoas sem teto enquanto os ajudam a construir suas pr�prias casas, mesmo que seja para evitar um potencial ressentimento.
O pr�ximo passo ser� elevar e igualar a qualidade das moradias. Aqui como em outros campos, a meta n�o ser� uma igualdade rigidamente uniforme ("todos devem ter uma moradia com tais ou quais especifica��es"), mas o sentido geral de justi�a popular, tratando os problemas sobre uma base flex�vel, caso por caso. Se algu�m sente que n�o recebeu sua parte pode apelar � comunidade em geral, que, se a queixa n�o � completamente absurda, far� provavelmente o imposs�vel para compensa-lo. Os compromissos ter�o que ser resolvidos considerando que v�o viver em lugares excepcionalmente desej�veis por determinado tempo. (Podem ser compartilhadas mediante sorteio por uma serie de pessoas, ou ser alugados por per�odos limitados pela melhor oferta em pastas de cr�ditos, etc.). Pode ser que tais problemas n�o se resolvam na medida da completa satisfa��o de todos, mas certamente ser�o tratados com bem mais equidade do que sob um sistema em que a acumula��o de peda�os m�gicos de papel permite que uma pessoa se afirme "propriet�ria" de uma centena de edif�cios enquanto que outras tem que viver na rua.
Uma vez resolvidas as necessidades b�sicas de sobreviv�ncia, a perspectiva quantitativa do tempo de trabalho se transformar� em uma nova perspectiva qualitativa de livre criatividade. Alguns amigos podem trabalhar alegremente construindo sua pr�pria casa mesmo que leve um ano para concluir o que uma equipe profissional poderia fazer mais eficientemente em um m�s. Em tais projetos se investir� muito mais alegria, imagina��o e amor, e as moradias resultantes ser�o muito mais encantadoras, matizadas e pessoais do que as que hoje passam por "dignas". Um carteiro rural franc�s do s�culo dezenove chamado Ferdinand Cheval gastou todo seu tempo de �cio de muitas d�cadas construindo seu pr�prio castelo de fantasia. Gente como Cheval s�o considerados exc�ntricos, mas sua �nica anormalidade � que continuam exercendo a criatividade inata que todos possu�mos, mas que normalmente nos induzem a reprimir depois da primeira inf�ncia. Uma sociedade livre dispor� de grandes quantidades deste tipo de "trabalho" l�dico: os projetos pessoalmente escolhidos ter�o um atrativo t�o intenso que as pessoas n�o se preocupar�o com o "tempo de trabalho" gasto como o tempo dedicado a car�cias de amor ou divers�o.
O absurdo da maior parte do trabalho atual
H� 50 anos Paul Goodman estimou que menos de 10 % do trabalho executado � dedicado a satisfazer nossas necessidades b�sicas. Qualquer que seja a medida exata (em nossos dias essa taxa deve ser mais baixa, dependendo do que consideramos necessidades b�sicas), o fato � que a maior parte do trabalho atual � absurdo e desnecess�rio. Com a aboli��o do sistema mercantil, centenas de milh�es de pessoas agora ocupadas em produzir mercadorias sup�rfluas, ou em anuncia-las, empacota-las, transporta-las, vende-las, protege-las ou tirar proveito delas (vendedores, funcion�rios, capatazes, diretores, banqueiros, agentes de bolsa, propriet�rios, l�deres sindicais, pol�ticos, policias, advogados, ju�zes, carcereiros, guardas, soldados, economistas, publicit�rios, fabricantes de armas, inspetores aduaneiros, coletores de impostos, agentes de seguran�a, conselheiros de investimento, junto a seus numerosos subordinados). Toda essa multid�o est� indispon�vel para executar as relativamente poucas tarefas realmente necess�rias.
No que toca aos desempregados, segundo um recente informe da ONU eles constituem agora 30% da popula��o mundial. Embora esta propor��o pare�a ampla, ela presumivelmente exclui prisioneiros, refugiados, e muitos outros que normalmente n�o s�o contados nas estat�sticas de desemprego oficiais, como aqueles que pararam de buscar trabalho, ou aqueles que est�o incapacitados pelo alcoolismo e drogas, ou que est�o t�o enojados pelas op��es de trabalho dispon�veis que colocam toda sua energia fugindo do trabalho e dedicando-se ao crime e � fraude.
No que toca a milh�es de anci�os, muitos gostariam de estar comprometidos em atividades �teis mas vivem relegados a um retiro passivo, desagrad�vel. Adolescentes e jovens aceitariam com entusiasmo o desafio de muitos projetos educacionais e �teis se n�o estivessem confinados em col�gios in�teis desenhados para inculcar a obedi�ncia ignorante.
Levando em considera��o o grande componente de gastos inclu�dos em trabalhos inegavelmente necess�rios. M�dicos e enfermeiras, por exemplo, perdem grande parte de seu tempo (al�m de preencher papeis de seguro, cobrar os doentes, etc.) esfor�ando-se quase que inutilmente para controlar todo tipo de problemas socialmente induzidos como m� alimenta��o, les�es ocupacionais, acidentes automobil�sticos, enfermidades psicol�gicas e doen�as causadas pelo stress, polui��o, ou condi��es de vida insalubres, sem falar das guerras e epidemias que com freq��ncia as acompanham -- problemas que em grande medida desaparecer�o em uma sociedade livre, permitindo que aqueles que cuidam da sa�de se concentrem em uma medicina preventiva b�sica.
Considere-se ent�o a quantidade igualmente grande de trabalho perdido intencionalmente: trabalho desenhado apenas para manter as pessoas ocupadas; a supress�o de m�todos para poupar trabalho porque podem deixar pessoas sem trabalho; trabalhar t�o lentamente quanto poss�vel; sabotar o maquin�rio para pressionar os chefes, ou por simples raiva ou frustra��o. N�o esque�amos de todos os absurdos da "lei de Parkinson " (o trabalho tende a expandir-se para preencher o tempo dispon�vel), o "principio de Peter" (as pessoas se elevam at� seu n�vel de incompet�ncia) e tend�ncias similares t�o hilariantemente satirizadas por C. Northcote Parkinson e Laurence Peter.
Considere-se tamb�m quanto trabalho perdido se eliminar� desenhando os produtos para durar e n�o para quebrar ou ficar fora de moda para que as pessoas tenham que comprar outros novos. (Ap�s um breve per�odo inicial de alta produ��o para prover a todos de bens dur�veis de alta qualidade, muitas industrias poderiam reduzir-se a n�veis mais modestos -- apenas o suficiente para manter aqueles bens em bom estado, ou melhor�-los ocasionalmente sempre que se desenvolva algum avan�o significativo).
Levando em considera��o todos estes fatores, � f�cil ver que em uma sociedade sanamente organizada a quantidade de trabalho necess�rio poderia ser reduzida a um ou dos dias por semana. Uma redu��o quantitativa dr�stica como esta produzir� uma mudan�a qualitativa.
Transformar o trabalho em jogo
Como descobriu Tom Sawyer (no capitulo 2 do livro de Mark Twain), quando as pessoas n�o s�o obrigadas a trabalhar, at� mesmo as tarefas mais banais podem chegar a ser ins�litas e interessantes: o problema n�o � mais como fazer com que as pessoas as executem, mas como acomodar a todos os volunt�rios. N�o seria realista esperar que as pessoas trabalhem todo o tempo em trabalhos desagrad�sseis e sem grande significado sem vigil�ncia e incentivos econ�micos; mas a situa��o se torna completamente diferente se se trata de dedicar dez ou quinze horas por semana em tarefas em tarefas autogestivas, variadas e �teis que n�s mesmos escolhemos.
Muita gente, uma vez comprometidas com projetos que lhes interessam, n�o v�o querer se limitar ao m�nimo. Isto reduzir� necessariamente as tarefas de outros que eventualmente n�o tenham tanto entusiasmo.
� desnecess�ria qualquer inquieta��o pelo fim do trabalho. O trabalho assalariado tem que ser abolido; o trabalho pleno de significado, livremente escolhido pode ser t�o divertido como um jogo. Nosso trabalho atual produz normalmente resultados pr�ticos, mas n�o somos n�s quem o escolhe, enquanto que nosso tempo livre est� em sua maior parte limitado a trivialidades. Com a aboli��o do trabalho assalariado, o trabalho chegar� a ser mais divertido, um jogo ativo e criativo. No dia em que as pessoas n�o mais forem conduzidas � loucura pelo seu trabalho, n�o mais ser�o necess�rios entretenimentos passivos est�pidos para restabelecer-se dela.
N�o que haja algo de errado em divertir-se com passatempos triviais; trata-se simplesmente de reconhecer que muito de seu atual atrativo procede da aus�ncia de atividades plenas. Algu�m cuja vida carece de aventura real pode inclinar-se a um pequeno exotismo vic�rio dedicando-se a colecionar artefatos de outros tempos e lugares; algu�m cujo trabalho � abstrato e fragment�rio pode ir longe produzindo objetos totalmente concretos, objetos mais significativos do que um navio em miniatura dentro de uma garrafa. Estes e outros in�meros hobbies revelam a exist�ncia de impulsos criativos que florescer�o realmente quando esse jogo atingir uma escala mais ampla. Imagine pessoas cuja divers�o � ajustar seus utens�lios ou cultivar seu jardim, elas se entusiasmar�o diante da oportunidade de recriar toda sua comunidade; ou como milhares de entusiastas das estradas de ferro se apressar�o em aproveitar a oportunidade de reconstruir e operar vers�es melhoradas das redes de trens, que ser�o uma das vias principais para reduzir o tr�fico automobil�stico.
Quando as pessoas est�o sujeitas a suspeita ou a regulamentos opressivos elas tentam naturalmente fazer o menos poss�vel sem ser castigadas. Em situa��es de liberdade e confian�a mutua h� uma tend�ncia contr�ria, de orgulhar-se em fazer o melhor trabalho poss�vel. Embora algumas tarefas da nova sociedade tendam a ser mais populares do que outras, as �nicas realmente dif�ceis ou desagrad�veis ter�o provavelmente volunt�rios mais que suficientes, respondendo a um sentimento de retid�o ou desejo de aprecia��o, quando n�o a um sentido de responsabilidade. Inclusive atualmente, quando tem tempo, muitas pessoas tem satisfa��o em se oferecer como volunt�rios em projetos que valem a pena; tais pessoas ficar�o ainda mais satisfeitas se n�o terem que se preocupar constantemente em cobrir suas necessidades b�sicas e as de sua fam�lia. Na pior das hip�teses, as poucas tarefas totalmente impopulares ter�o que ser divididas em turnos o mais breves poss�veis e revezados com freq��ncia at� que possam ser automatizadas. Ou poderiam ser subsidiadas para ver se algu�m quer faze-las em troca de ter que abater, digamos, cinco horas por semana em vez das usuais dez o quinze; ou por alguns cr�ditos adicionais.
Os adeptos do n�o cooperativismo ser�o provavelmente t�o raros que o resto da popula��o poder� deixa-los em paz, em vez de gastar tempo pressionando-os para que d�em sua pequena coopera��o. A partir de um certo grau de abund�ncia n�o faz sentido preocupar-se por causa de alguns abusos e instalar uma multid�o de contadores, inspetores, informantes, espias, guardas, policias, etc., para que comprovem cada detalhe e castiguem cada infra��o. N�o � realista esperar que as pessoas sejam generosas e cooperativas quando n�o h� muito o que repartir; mas um maior excedente material criar� uma "margem de abuso" mais ampla de modo que n�o importar� tanto se algu�m faz menos que seu companheiro, ou consuma um pouco mais.
A aboli��o do dinheiro impedir� a todos de angariar mais do que contribuem. A maior parte das duvidas acerca da factibilidade de uma sociedade livre se ap�ia na cren�a arraigada de que o dinheiro (tanto quanto seu necess�rio protetor: o estado) tem que existir. Esta associa��o entre o dinheiro e o estado cria possibilidades de abuso ilimitadas (legisladores subornados para criar sub-rept�ciamente brechas nas leis de impostos, etc.); mas uma vez que ambos sejam abolidos desaparecer�o os motivos e os meios para tais abusos. A abstra��o das rela��es de mercado permite que uma pessoa acumule riqueza anonimamente privando indiretamente a outros milhares das necessidades b�sicas; mas com a elimina��o do dinheiro qualquer monopoliza��o significativa de bens ser� demasiado dif�cil de manejar e demasiado vis�vel.
Na nova sociedade poder�o ocorrer outras formas de interc�mbio, a mais simples e provavelmente mais comum ser� a doa��o. Na abund�ncia geral � f�cil ser generoso. Doar � divertido e apraz�vel, e elimina as mol�stias da contabilidade. O �nico c�lculo � que est� ligado a uma saud�vel e m�tua emula��o. "A comunidade vizinha doou tal coisa a uma regi�o menos favorecida; n�s podemos seguramente fazer o mesmo". "Eles deram uma festa magn�fica; vejamos se podemos fazer uma melhor". Uma pequena rivalidade amistosa (quem pode criar a nova receita mais deliciosa, cultivar uma hortali�a superior, resolver um problema social, inventar uma brincadeira nova) beneficiar� a todos, inclusive aos per perdedores.
Uma sociedade livre funcionar� provavelmente em grande medida como uma grande festa. A maior parte das pessoas a desfrutar� como uma comida que todos apreciam; mas mesmo que alguns contribuam com pouco ou nada h� o suficiente para repartir entre todos. N�o � essencial que todos colaborem exatamente na mesma medida, porque as tarefas seriam t�o pequenas e t�o amplamente distribu�das que ningu�m ficar� sobrecarregado. Uma vez que todos est�o diretamente envolvidos, n�o ser� preciso investigar ningu�m nem instituir castigos por falta de coopera��o. O �nico elemento de "coer��o" ser� a aprova��o ou desaprova��o dos demais participantes: o agradecimento prov� est�mulos positivos, e at� mesmo a pessoa mais desconsiderada se d� conta de que se n�o contribui consistentemente passar� a ser mal vista e correr� o risco de n�o ser convidada na pr�xima vez. A organiza��o apenas � necess�ria se se trope�a em algum problema. (Se h� normalmente demasiada sobremesa e comida insuficiente, o grupo pode decidir coordenar quem trar� cada coisa. Se algumas almas generosas acabam sustentando uma coopera��o injusta do trabalho de limpeza, uma admoesta��o gentil bastar� para que outros se envergonhem e se ofere�am, ou se far� um sorteio de rod�zio sistem�tico).
Supondo que tal coopera��o expont�nea seja uma exce��o, que se encontra principalmente onde os v�nculos comunais tradicionais tem persistido, ou entre grupos pequenos, grupos auto-selecionados de pessoas animadas pelos mesmos sentimentos em regi�es onde as condi��es n�o s�o demasiado miser�veis. Em um mundo onde o homem � lobo do pr�prio homem, as pessoas cuidam naturalmente de si mesmas e suspeitam das demais. A menos que o espet�culo lhes comova com alguma historia sentimental de interesse humano, se preocupam normalmente pouco por aqueles que est�o fora de seu c�rculo imediato. Carregadas de frustra��es e ressentimentos, podem at� mesmo sentir um prazer pernicioso atropelando os prazeres de outras pessoas.
Mas apesar de tudo o que desalenta sua humanidade, e isso vale para a maioria das pessoas, se tiverem uma oportunidade, gostar�o de sentir que est�o fazendo coisas �teis, e que s�o apreciadas por isso. Atente como aproveitam a mais leve oportunidade de criar um momento de reconhecimento m�tuo, mesmo que apenas abrindo uma porta para algu�m ou trocando alguns coment�rios banais. Se surge uma inunda��o ou terremoto ou qualquer outra emerg�ncia, at� mesmo o mais ego�sta e c�nico com freq��ncia se precipita na a��o, trabalhando vinte e quatro horas por dia no resgate de pessoas, entregando comida e primeiros socorros, etc., sem nenhuma compensa��o exceto a gratid�o dos demais. � por isso porque as pessoas freq�entemente evocam a guerras ou desastres naturais com um surpreendente grau de nostalgia. Como a revolu��o, tais acontecimentos rompem com as separa��es sociais usuais, d� a todos a oportunidade de fazer coisas que realmente importam, e produz um forte sentimento de comunidade (mesmo que seja unindo as pessoas contra um inimigo comum). Em uma sociedade livre estes impulsos sociais poder�o florescer sem que sejam necess�rios pretextos t�o extremos.
* * *
Atualmente a automa��o com freq��ncia n�o tem feito mais do que expulsar a algumas pessoas de seu trabalho enquanto se intensifica o controle daqueles que nele permanecem; se eventualmente algum tempo real � ganho gra�as aos dispositivos de "poupan�a de trabalho", esse ganho � normalmente desperdi�ado em um consumo passivo igualmente alienado. Mas em um mundo livre os ordenadores e outras tecnologias modernas poderiam ser utilizadas para eliminar tarefas perigosas ou chatas, liberando todos para concentrar-se em atividades mais interessantes.
Sem contemplar tais possibilidades, e compreensivamente desgostosas pelo uso atual das muitas tecnologias, muitas pessoas chegam a ver a "tecnologia" em si mesma como o principal problema e reclamam um retorno a um estilo de vida mais simples. Quanto mais simplista o debate mais se descobrem defeitos em em cada per�odo, retrocedendo cada vez mais na linha do tempo. Alguns, considerando a Revolu��o Industrial como o principal vil�o, cobrem de elogios o artesanato manual. Outros, vendo na inven��o da agricultura o pecado original, sentem que dever�amos voltar a uma sociedade de ca�adores-coletores, mas sem explicar o que suceder� � atual popula��o humana que n�o pode se sustentar sob tal economia. Outros, para n�o ficar para traz, apresentam argumentos eloq�entes que provam que o desenvolvimento da linguagem e do pensamento racional foi a origem real de nossos problemas. Todavia h� quem sustente inclusive que o g�nero humano em sua totalidade � t�o incorrigivelmente malvado que deveria altruisticamente se extinguir para salvar o restante do ecosistema mundial.
Estas fantasias contem tantas contradi��es obvias que torna-se desnecess�rio critica-las detalhadamente. D�o uma question�vel relev�ncia �s sociedades do passado real e n�o tem quase nada a ver com as possibilidades presentes. Mesmo supondo que a vida fosse melhor em uma ou outra era passada, temos que come�ar desde onde estamos. A moderna tecnologia est� t�o permeada em todos os aspectos de nossa vida que n�o poderia interromper-se abruptamente sem causar um caos mundial que aniquilaria a bilh�es de pessoas. Os p�s-revolucion�rios provavelmente decidir�o por reduzir de modo progressivo o �ndice populacional humano e certas ind�strias, mas isto n�o pode ser feito da noite para o dia. Temos que considerar seriamente como tratar todos os problemas pr�ticos que se formularam nesse �nterim.
Se porventura as pessoas chegarem diante de tal situa��o pr�tica depois de uma revolu��o, duvido que os tecn�fobos queiram realmente eliminar as cadeiras de rodas motorizadas; ou desconectar o engenhoso dispositivo inform�tico que permite ao f�sico Stephen Hawking comunicar-se apesar de estar totalmente paralisado; ou deixar que morra em um parto uma mulher que poderia salvar-se por procedimentos t�cnicos; ou aceitar o ressurgimento de enfermidades que no passado mataram ou incapacitaram normalmente de modo permanente a uma porcentagem ampla da popula��o; ou resignar-se a n�o visitar nunca nem comunicar-se com gente de outras partes do mundo a menos que se falem a uma distancia que possa ser percorrida a p�; ou permanecer parado sem intervir enquanto pessoas morrem de uma fome que poderia ser evitada mediante o transporte mundial de alimento.
O problema � que quanto mais esta ideologia entra na moda mais se desvia a aten��o dos problemas e possibilidades reais. Um dualismo manique�sta simplista (a natureza � o Bem, a tecnologia � o Mal) faz com que ignoremos complexos processos hist�ricos e dial�ticos; � muito mais f�cil lan�ar a culpa de tudo em cima de algum mal primordial, uma esp�cie de diabo ou pecado original. O que come�a como um questionamento v�lido da f� excessiva na ci�ncia e na tecnologia acaba como uma desesperada e ainda menos justificada f� no retorno a um para�so primordial, acompanhado de um fracasso na abordagem do presente sistema, feita de uma maneira abstrata e apocal�ptica.(5)
Tecn�filos e tecn�fobos tratam a tecnologia de modo igualmente separado de outros fatores sociais, diferindo apenas em suas conclus�es igualmente simplistas de que as novas tecnologias d�o automaticamente mais poder �s pessoas ou s�o automaticamente alienantes. Na medida em que o capitalismo aliena todas as produ��es humanas em fins aut�nomos que escapam ao controle de seus criadores, as tecnologias compartilhar�o esta aliena��o e ser�o utilizadas para refor�a-la. Mas quando as pessoas se livram dessa domina��o, n�o ter�o problema em recha�ar aquelas tecnologias que sejam prejudiciais enquanto adaptam outras para fins ben�ficos.
Em uma sociedade livre, certas tecnologias -- o poder nuclear � o exemplo mais �bvio -- s�o com efeito t�o perigosas que n�o haver� duvidas em sua interrup��o imediata. Muitas outras industrias que produzem mercadorias absurdas, obsoletas ou sup�rfluas, cessar�o automaticamente com a interrup��o de seus fundamentos comerciais. Mesmo considerando que muitas tecnologias (eletricidade, metalurgia, refrigera��o, instala��es sanit�rias, imprensa, grava��o, fotografia, telecomunica��es, ferramentas, t�xteis, m�quinas de costura, equipamento agr�cola, instrumentos cir�rgicos, anestesia, antibi�ticos, entre outras dezenas de exemplos que seria enfadonho cita-los todos aqui), devido a seu uso abusivo, possuem algumas desvantagens inerentes, elas s�o bem poucas. Trata-se simplesmente de utiliza-las de um modo mais sensato, leva-las sob controle popular, introduzindo algumas melhoras ecol�gicas, e redesenhando-as para fins humanos em vez de capitalistas.
Outras tecnologias s�o mais problem�ticas. Todavia ser�o necess�rias em alguma medida, mas seus aspectos nocivos e irracionais se reduzir�o progressivamente, normalmente por desgaste. Considerando a industria automobil�stica como um todo, incluindo sua vasta infra-estrutura (f�bricas, ruas, autopistas, postos de combust�vel, po�os de petr�leo) e todos seus inconvenientes e custos ocultos (congestionamento, estacionamento, reparos, seguros, acidentes, polui��o, destrui��o urbana), fica claro que seria prefer�vel muitos outros m�todos alternativos. Todavia, o fato � que toda esta infra-estrutura est� a�. Sem d�vida, a nova sociedade continuar� utilizando os autom�veis e os caminh�es existentes durante alguns anos, enquanto se concentra no desenvolvimento de modos mais sensatos de transporte para substituir os atuais gradualmente na medida em que se desgastam. Ve�culos pessoais com motores n�o poluentes podem continuar indefinidamente em �reas rurais, mas a maior parte do tr�fego urbano atual (com algumas exce��es como caminh�es de reparto, carros de bombeiros, ambul�ncias, e taxis para pessoas incapacitadas) poderia ser evitado com diversas formas de transporte p�blico, permitindo que muitas estradas e ruas se convertam em parques, jardins, pra�as e ciclovias. Os avi�es ser�o restritos a viagens intercontinentais (racionados caso necess�rio) e para determinados tipos de transportes urgentes, com a elimina��o do trabalho assalariado sobrar� tempo para as pessoas poderem viajar de uma forma mais pausada -- barco, trem, bicicleta, caminhada.
Aqui, como em outros campos, cabe �s pessoas envolvidas experimentar as diferentes possibilidades para ver qual funciona melhor. Uma vez que as pessoas tenham o poder de determinar os objetivos e condi��es de seu pr�prio trabalho, apresentar� naturalmente todo tipo de id�ias de modo que o trabalho se tornar� mais breve, seguro e agrad�vel; e tais id�ias, n�o mais patenteadas nem guardadas zelosamente como "segredos comerciais", rapidamente se espalhar�o e inspirar�o ainda mais benef�cios. Com a elimina��o dos motivos comerciais, as pessoas tamb�m ser�o capazes de dar a import�ncia apropriada aos fatores sociais e ambientais al�m de considera��es puramente quantitativas sobre tempo de trabalho. Se, digamos, a produ��o de ordenadores implica atualmente em alguma super-explora��o do trabalho ou causa alguma polui��o (embora bem menor que as cl�ssicas ind�strias das "chamin�s"), n�o h� raz�o para crer que n�o se possa imaginar m�todos bem melhores uma vez que as pessoas se dediquem em descobri-los -- coisa bem prov�vel precisamente mediante o uso racional da automatiza��o inform�tica. (Afortunadamente, o trabalho mais repetitivo � normalmente o mais f�cil de automatizar). A regra geral ser� simplificar as manufaturas b�sicas de forma que facilite uma flexibilidade �tima. As t�cnicas se tornar�o mais uniformes e compreens�veis, de maneira que pessoas com um aprendizado geral m�nimo poder�o levar a cabo a constru��o, reparo, altera��o e outras opera��es que antigamente exigiriam treinamento especializado. As ferramentas, eletrodom�sticos, materiais brutos, partes de m�quinas e m�dulos arquitet�nicos b�sicos provavelmente se padronizar�o e se produzir�o em massa, deixando �s "industrias artesanais" os refinamentos espec�ficos de pequena escala e os aspectos finais e potencialmente mais criativos aos usu�rios individuais. No dia em que o tempo deixar de ser ouro, passar� a ser contemplado. Como desejava William Morris, para um primoroso ressurgimento das artes e of�cios � necess�rio a alegre realiza��o de um grande "trabalho" tanto por seus criadores como por seus destinat�rios.
Algumas comunidades podem preferir manter uma quantidade moderada de tecnologia pesada (ecologicamente sadia); outras podem optar por estilos de vida mais simples, mas apoiadas por meios t�cnicos para facilitar esta simplicidade ou para emerg�ncias. Os geradores de energia solar e as telecomunica��es via sat�lite, por exemplo, permitir�o pessoas habitar em bosques sem necessidade de cabos el�tricos ou telef�nicos. Se a energia solar gerada na Terra e outros recursos energ�ticos renov�veis se mostrassem insuficientes, imensos receptores solares em �rbita poderiam transmitir uma quantidade quase ilimitada de energia limpa.
Incidentalmente, a maior parte das regi�es do terceiro mundo vive em zona quente onde a energia solar pode ser mais efetiva. Mesmo que sua pobreza represente algumas dificuldades iniciais, suas tradi��es de auto-sufici�ncia cooperativa ,mais o fato de que n�o est�o agravados com infra-estruturas industriais obsoletas, isso pode proporcionar-lhes algumas vantagens compensadoras no que diz respeito a cria��o de novas estruturas ecologicamente apropriadas. Fazendo uso seletivo das regi�es desenvolvidas para obter qualquer informa��o ou tecnologias, decidir�o por si mesmos aquilo que necessitam, e poder�o passar por cima do horr�vel estado "cl�ssico" da industrializa��o e da acumula��o do capital e proceder diretamente a formas p�s-capitalistas de organiza��o social. Nem tampouco a influencia se produzir� necessariamente em um �nico sentido: um dos experimentos sociais mais avan�ados da historia foi levado a cabo durante a revolu��o espanhola por camponeses analfabetos que viviam sob condi��es quase terceiro-mundistas.
Vulgarmente se acredita (e eq�ivocadamente) que uma revolu��o mundial necessitar� que as pessoas dos pa�ses desenvolvidos aceitem um triste per�odo transit�rio de "baixas expectativas" para permitir que as regi�es menos desenvolvidas alcancem seu n�vel. Esta err�nea e comum concep��o procede da falsa assun��o de que a maior parte dos produtos atuais s�o desej�veis e necess�rios -- implicando que dar mais aos outros sup�e menos para n�s. Na realidade, uma revolu��o nos pa�ses desenvolvidos superar� imediatamente tantas mercadorias e assuntos absurdos que at� mesmo se determinados bens e servi�os se reduzissem temporariamente, as pessoas estariam melhor que agora inclusive em termos materiais (al�m de estar bem melhor em termos "espirituais"). Uma vez resolvidos seus pr�prios problemas imediatos, muitos deles assistir�o de modo entusiasta aos menos afortunados. Mas esta assist�ncia ser� volunt�ria, e em sua maior parte n�o acarretar� nenhum auto-sacrif�cio serio. Dar trabalho ou materiais de constru��o ou conhecimentos arquitet�nicos para que outros possam construir casas por si mesmos, por exemplo, n�o requerer� desmantelar a casa de ningu�m. A riqueza potencial da sociedade moderna consiste n�o apenas em bens materiais, mas em conhecimento, id�ias, t�cnicas, engenho, entusiasmo, compaix�o, e outras qualidades que se incrementam realmente ao compartilha-las.
Uma sociedade autogestiva dar� naturalmente curso � maioria das demandas ecol�gicas atuais. Algumas s�o essenciais para a pr�pria sobreviv�ncia da humanidade; mas por raz�es tanto est�ticas como �ticas, pessoas livres sem d�vida preferir�o ir al�m desse m�nimo e promover�o uma rica biodiversidade.
O importante � que s� poderemos debater tais temas livres de preju�zos quando houvermos eliminado os incentivos � explora��o e � inseguran�a econ�mica que socavam agora inclusive os menores esfor�os para defender o meio ambiente (os madeireiros temem perder seus trabalhos, a mis�ria cr�nica obriga aos pa�ses do terceiro mundo vender seus recursos florestais, etc.).(6)
Quando se culpa � humanidade como respons�vel pela destrui��o do meio ambiente, as causas especificamente sociais s�o esquecidas. Os poucos que tomam decis�es se mesclam com a maioria impotente. O alastramento da fome � encarado como uma vingan�a da natureza devido � superpopula��o, como uma rea��o natural que conv�m deixar seguir seu curso -- com a maior naturalidade o Banco Mundial e o Fundo Monet�rio Internacional obriga pa�ses do terceiro mundo cultivar produtos para exporta��o em vez de alimento para o consumo local. Fazem com que as pessoas se sintam culpadas por utilizar carros, escondendo o fato de que as companhias automobil�sticas (adquirem e sabotam os sistemas el�tricos de tr�nsito, optando pela constru��o de autopistas e impedindo subs�dios �s ferrovias, etc.) criaram uma situa��o tal que a maior parte das pessoas s�o obrigadas a possuir autom�vel. Uma publicidade espetacular urge seriamente para que todos reduzam o consumo de energia (ao mesmo tempo em que se incita repetidamente consumi-la mais do que nunca). Poder�amos ter desenvolvido fontes de energia limpas e renov�veis de uma forma mais que suficiente se as companhias de combust�vel f�ssil n�o houvessem sabotado com �xito para que nenhum fundo significativo fosse dedicado � investiga��o com estes fins.
N�o � nem mesmo uma quest�o de culpar tais companhias -- elas est�o igualmente presas em um sistema de crescimento ou morte que lhes impele a tomar tais decis�es -- mas de abolir o sistema que produz continuamente tais press�es irresist�veis.
Uma sociedade livre poder� abarcar tanto comunidades humanas como amplas regi�es da natureza virgem satisfazendo a maior parte dos ecologistas profundos. Entre estes dois extremos me apraz pensar que haver� todo tipo de intera��es humanas imaginativas, todavia cuidadosas e respeitosas, com a natureza. Cooperar com ela, trabalhar com ela, brincar com ela; criar matizes mescladas de bosques, granjas, parques, jardins, hortos, riachos, povos, cidades.
As grandes cidades ser�o parceladas, desconcentradas, "reverdecidas," e reordenadas em uma diversidade de formas que incorporem e superem as vis�es dos arquitetos e urbanistas mais imaginativos do passado (que estavam normalmente limitados por sua assun��o da perman�ncia do capitalismo). Excepcionalmente, algumas cidades maiores, especialmente aquelas que tenham algum interesse hist�rico ou est�tico, manter�o ou mesmo ampliar�o seis tra�os cosmopolitas, provendo grandes centros onde culturas e estilos de vida diversos possam se desenvolver ainda mais.(7)
Algumas pessoas, inspiradas pelas antigas explora��es "psicogeogr�ficas" e id�ias sobre "urbanismo unit�rio" dos situacionistas, constru�ram elaborados e decorados m�veis desenhados para facilitar deambula��es labir�nticas atrav�s de ambientes diversos -- Ivan Chtcheglov imaginou "montagens de castelos, grutas, lagos", "habita��es que induzem ao sonho mais que qualquer droga", gente vivendo em suas pr�prias "catedrais" pessoais ("Receitu�rio para um novo urbanismo"). Outros podem inclinar-se mais pela defini��o que um poeta do Oriente M�dio fez da felicidade: viver em uma cabana no p� da serra ao lado de um riacho.
Se n�o h� suficientes catedrais ou riachos para repartir, � poss�vel que algum compromisso tenha que ser estabelecido. Mas se lugares como Chartres ou Yosemite est�o atualmente saturados, � devido � fealdade do restante do planeta. Quando outras �reas naturais forem revitalizadas e quando os habitais humanos se tornarem mais atraentes e interessantes, j� n�o ser� mais necess�rio que alguns locais excepcionais acomodem milh�es de pessoas desesperadas por evadir-se da confus�o. Pelo contrario, pode ocorrer que muita gente se desloque inclusive at� as regi�es mais miser�veis porque estas ser�o as "novas fronteiras" onde ter�o lugar as transforma��es mais excitantes (os horrendos edif�cios que ser�o demolidos para permitir uma reconstru��o experimental a partir do zero).
O florescimento de comunidades livres
A libera��o da criatividade popular gerar� animadas comunidades que superar�o Atenas, Floren�a, Paris e outros famosos centros do passado, onde a plena participa��o estava limitada a minorias privilegiadas. Embora algumas pessoas prefiram permanecer solit�rias e auto-suficientes (ermit�os e n�mades poder�o manter-se isolados exceto por alguns arranjos que tenham que fazer com as comunidades pr�ximas), a maioria provavelmente preferir� o gozo e a conveni�ncia de fazer as coisas juntos, e instalar�o todo tipo de oficinas, bibliotecas, laborat�rios, lavanderias, cozinhas, padarias, caf�s, cl�nicas, est�dios, salas de concertos, audit�rios, saunas, gin�sios, lugares de recreio, ferias, e mercadinhos de troca p�blicos (sem esquecer alguns espa�os tranq�ilos para compensar o conjunto socializado). Os blocos de moradias podem converter-se em complexos mais unificados, conectando alguns dos edif�cios mediante passagens e arcadas e eliminando valas entre p�tios para criar um parque interior mais amplo, jardins ou �reas de jogo para as crian�as. As pessoas poderiam escolher entre os mais variados tipos e graus de participa��o, p.e. seja inscrevendo-se um par de dias por m�s como cozinheiro, lavador de pratos ou jardineiro, obtendo o direito de comer em um bar comunal, ou cultivar e cozinhar a maior parte de seu alimento.
Em todos estes exemplos hipot�ticos � importante ter presente a diversidade de culturas que se desenvolver�o. Em uma, cozinhar pode ser encarado como algo tedioso que na medida do poss�vel deve ser revezado; em outra pode ser uma paix�o ou um ritual social apreciado que atrair� volunt�rios entusiastas mais que suficientes.
Algumas comunidades, como Paradigma III em Communitas (importante assinalar que o esquema de Paul e Percival Goodman assume a exist�ncia do dinheiro), podem manter uma aguda distin��o entre o setor gratuito e o setor de luxo. Outras podem desenvolver modelos sociais mais organicamente integrados, conforme Paradigma II do mesmo livro, intentando uma unidade m�xima de produ��o e consumo, atividade manual e intelectual, educa��o cient�fica e est�tica, harmonia social e psicol�gica, inclusive ao pre�o de uma efici�ncia puramente quantitativa. O estilo de Paradigma III pode ser mais apropriado para uma forma transicional inicial, quando as pessoas ainda n�o est�o acostumadas �s novas perspectivas e desejam ter um marco econ�mico de referencia fixado que lhes d� uma sensa��o de seguran�a contra potenciais abusos. Quando as pessoas eliminarem os defeitos do novo sistema e desenvolvido uma maior confian�a mutua, tender�o mais provavelmente ao estilo de Paradigma II.
Como nas encantadoras fantasias de Fourier, nas sem suas excentricidades e com bem mais flexibilidade, as pessoas poder�o comprometer-se em uma variedade de atividades de acordo com afinidades elaboradamente inter-relacionadas. Uma pessoa pode ser membro regular de certos grupos permanentes (de afinidade, conselho, coletivo, bairro, cidade, regi�o) enquanto apenas toma parte temporariamente em varias atividades ad hoc (como fazem as pessoas hoje nos clubes, redes de aficionados a algum hobby, associa��es de ajuda mutua, grupos dedicados a uma ou outra quest�o pol�tica e projetos que resultam mais proveitosos se levados a cabo coletivamente). [p.e. a edifica��o de um celeiro por um grupo de vizinhos]. As assembl�ias locais levar�o e, conta as ofertas e as demandas; dar�o a conhecer as decis�es de outras assembl�ias e o estado atual dos projetos em curso ou dos problemas ainda n�o resolvidos; e fundar�o bibliotecas, centrais e redes eletr�nicas para reunir e difundir informa��o de todo tipo e relacionar pessoas de gostos comuns. Os meios ser�o acess�veis para qualquer pessoa, permitindo-lhes expressar seus pr�prios projetos, problemas, propostas, cr�ticas, entusiasmos, desejos, vis�es particulares. As artes e of�cios tradicionais continuar�o, mas apenas como uma faceta de uma vida constantemente criativa. As pessoas tomar�o todavia parte, com mais entusiasmo que nunca, em desportos e jogos, ferias e festivais, m�sica e dan�a, fazendo amor e criando suas crian�as, construindo e remodelando, ensinando e aprendendo, desfrutando do campo ou viajando; mas novos g�neros e artes de viver que nos quase n�o podemos imaginar atualmente tamb�m se desenvolver�o.
Gente mais que suficiente se sentir� atra�da pelos projetos socialmente necess�rios, em agronomia, medicina, engenharia, inova��o educativa, restaura��o do meio ambiente e da� por diante, sem outro motivo sen�o o fato de ach�-los interessantes e satisfat�rios. Outros podem preferir atividades menos �teis. Alguns viver�o uma vida dom�stica bastante tranq�ila; outros se lan�ar�o em aventuras mais atrevidas, ou participar de grandes brincadeiras em festas e orgias; outros podem dedicar-se a olhar os p�ssaros, trocar fanzines, ou colecionar lembran�as singulares dos tempos pr�-revolucion�rios, ou qualquer outro de um milh�o de projetos. Todos poder�o seguir suas pr�prias inclina��es. Se algu�m se limita a uma exist�ncia de espectador passivo, provavelmente em algum momento se aborrecer� e tentar� empresas mais criativas. Caso contr�rio, isso ser� assunto seu; que n�o compete a mais ningu�m.
Para quem ache a utopia na terra demasiado ins�pida e queira apartar-se realmente de tudo, a explora��o e coloniza��o do sistema solar -- qui�� finalmente incluso a emigra��o a outras estrelas -- aportar� uma fronteira que nunca ter� fim.
O mesmo pode ser dito sobre as explora��es do "espa�o interior".
* * *
Uma revolu��o anti-hier�rquica n�o resolver� todos nossos problemas; simplesmente eliminar� alguns dos mais anacr�nicos, permitindo-nos atacar problemas mais interessantes.
Se o presente texto parece descuidado de aspectos "espirituais" da vida, � porque eu queria enfatizar alguns assuntos materiais b�sicos que com freq��ncia s�o relevados. Mas estes assuntos materiais s�o apenas a infra-estrutura. Uma sociedade livre se basear� muito mais na alegria, no amor e na generosidade espont�nea do que em regras r�gidas ou c�lculo ego�sta. Podemos provavelmente ter um sentido mais v�vido do que ter�amos atrav�s de vision�rios como Blake ou Whitman que com debates pedantes acerca de cr�ditos econ�micos e delegados revog�veis.
Suspeito que uma vez que as necessidades materiais b�sicas das pessoas sejam generosamente resolvidas e n�o mais sujeitas a uma constante barreira de excita��o comercial, a maioria (depois de uma breve embriagues em coisas que previamente estiveram privadas) encontrar� a maior satisfa��o em estilos de vida relativamente simples e desprendidos. As artes er�ticas e do paladar ser�o sem d�vida enriquecidas de muitas formas, mas simplesmente como facetas de vidas plenas e equilibradas, que incluem tamb�m uma ampla gama de projetos intelectuais, est�ticos e espirituais.
a educa��o, que n�o mais se limitar� a acondicionar jovens para exercer um papel estreito em uma economia irracional, se converter� em uma atividade entusiasta para toda a vida. Al�m de qualquer tipo de institui��o de educa��o formal que possa todavia dar-se, as pessoas ter�o acesso instant�neo atrav�s de livros e ordenadores de informa��o sobre qualquer tema que queiram explorar, e poder�o obter experi�ncia direta em todo tipo de artes e destrezas, ou buscar que quiser para instru��o ou discuss�o pessoal -- como os antigos fil�sofos gregos debatendo em p�blico no �gora, ou os monges chineses medievais cruzando as montanhas em busca do mais inspirado mestre Zen.
Os aspectos religiosos que agora servem como mero escape psicol�gico da aliena��o social se desvanecer�o, mas as quest�es b�sicas que tem encontrado uma express�o mais ou menos distorcidas na religi�o permanecer�o. Todavia haver� danos e perdas, trag�dias e frustra��es, enfrentaremos ainda a enfermidade, o sofrimento e a morte. e no processo de tentar imaginar o que significa tudo isso, se � que significa algo, e o que fazer com ele, alguns redescobrir�o aquilo que Aldous Huxley, em A filosofia perene, chama de m�ximo fator comum da consci�ncia humana.
Pode ser que outros cultivem sensibilidades est�ticas esquisitas como os personagens da Historia de Genji, de Murasaki ou desenvolvam elevados g�neros metaculturais como "El juego de los abalorios" na novela de Hermann Hesse (liberado dos limites materiais que antigamente confinavam tais atividades a pequenas elites).
Me agrada pensar que ao alternar-se, combinar-se e desenvolver-se estas atividades diversas, haver� uma tend�ncia geral para a reintegra��o pessoal vislumbrada por Blake, e para as genu�nas rela��es "Eu-Tu" previstas por Martin Buber. Uma revolu��o espiritual permanente na qual a comunh�o prazerosa n�o impedir� a rica diversidade e a "generosa conten��o". As express�es esperan�osas de Whitman em Folhas de erva, sobre as potencialidades da Am�rica de seu tempo, talvez sejam apropriadas mais do que qualquer coisa para sugerir o estado expansivo da mente de homens e mulheres realizados em suas comunidades, que trabalham e jogam estaticamente, que amam e brincam, que percorrem o infinito Caminho Aberto.
Com a prolifera��o de culturas que continuamente se desenvolvem e se transformam, a viajem pode chegar a ser de novo uma aventura imprevis�vel. O viajante poder� "ver as cidades e aprender os costumes de muitas pessoas diferentes" sem os perigos e desilus�es enfrentados pelos vagabundos e exploradores do passado. Deslizando de cena em cena, de encontro em encontro; mas detendo-se ocasionalmente, como aquelas figuras humanas apenas vis�veis das pinturas paisag�sticas chinesas, apenas para contemplar a imensid�o, para compreender que todos nossos feitos e ditos s�o apenas murm�rios na superf�cie de um vasto, insond�vel universo.
Estas s�o apenas algumas propostas. N�o nos limitamos a fontes radicais de inspira��o. Toda sorte de esp�ritos criativos do passado tem manifestado ou imaginado algumas de nossas quase ilimitadas possibilidades. Podemos nos inspirar em qualquer um deles na medida em que nos preocupamos por desenredar os aspectos relevantes de seu contexto original alienado.
As maiores obras n�o nos dizem nada de novo, apenas nos recordam coisas que esquecemos. Todos temos indica��es de que a vida pode ser bem mais rica -- lembran�as da primeira inf�ncia quando as experi�ncias eram ainda frescas e n�o reprimidas, mas tamb�m momentos posteriores ocasionais de amor o camaradagem ou criatividade entusiasta, tempos em que estamos impacientes para que chegue a manh� para continuar algum projeto, ou simplesmente para ver o que trar� o novo dia. Extrapolar estes momentos provavelmente nos d� a melhor id�ia de como poderia ser o mundo inteiro. Um mundo, como o que Whitman vislumbrou,
Onde os homens e mulheres n�o levem as leis a s�rio,
Onde o escravo deixe de existir, e o amo dos escravos,
Onde o populacho se levante imediatamente contra a eterna aud�cia dos privilegiados, . . .
Onde as crian�as aprendam a operar por conta pr�pria, e a depender de si mesmos,
Onde a equanimidade se reflita em fatos,
Onde as especula��es sobre a alma sejam estimuladas,
Onde as mulheres caminhem em prociss�o p�blica nas ruas da mesma forma que os homens,
Onde participem na assembl�ia p�blica e tomem seus lugares da mesma forma que os homens . . . .
As formas primordiais surgem!
Formas da democracia total, resultado de s�culos,
Formas que projetam inclusive outras formas,
Formas de turbulentas cidades masculinas,
Formas dos amigos e anfitri�es do mundo,
Formas que abra�am a terra, e s�o abra�adas por toda a terra.
NOTAS
1. P.M.: Bolo�bolo (1983; nova edi��o: Semiotext(e), 1995) tem o m�rito de ser uma das poucas utopias que reconhece e aprova plenamente esta diversidade. Deixando de lado suas ligeirezas, idiossincrasias e suas no��es pouco realistas sobre como podemos chegar at� elas, toca um monte de problemas e possibilidades de uma sociedade p�s-revolucion�ria
2. Embora a chamada revolu��o em rede tenha se limitado at� aqui principalmente � circula��o incrementada de trivialidades para espectadores, as modernas tecnologias da comunica��o continuam jogando um importante papel minando os regimes totalit�rios. Durante anos os burocratas estalinistas mutilaram seu pr�prio funcionamento restringindo a acessibilidade das m�quinas de escrever e fotocopiadoras para que elas n�o fossem utilizadas na reprodu��o de escritos samizdat. As tecnologias mais novas tem revelado ser mais dif�ceis de controlar:
"O di�rio conservador Guangming Daily informa novas medidas de refor�o destinadas a cerca de 90.000 fax ilegais em Pequim. Os especialistas em assuntos chineses afirmam que o regime teme que a prolifera��o de m�quinas de fax permita que a informa��o flua demasiado r�pido. Tais m�quinas foram utilizadas extensivamente durante as manifesta��es estudantis em 1989 que resultaram em uma repress�o militar. . . No conforto se suas pr�prias resid�ncias nas capitais do ocidente, como Londres, os opositores podiam enviar mensagens aos ativistas da Ar�bia Saudita que, descarregando-as via Internet em suas pr�prias casas, j� n�o tinham que temer que algu�m batesse na porta no meio da noite. . . Todo assunto tabu da pol�tica � pornografia se espalha mediante mensagens eletr�nicas an�nimos bem al�m das garras de a�o do governo. . . . Muitos sauditas se viram discutindo abertamente sobre religi�o pela primeira vez. Ateus e fundamentalistas se atracam no ciberespa�o saudita, uma novidade em um pais onde o castigo por apostasia � a morte. . . . Mas proibir Internet n�o � poss�vel a n�o ser que se desliguem todos os ordenadores e linhas telef�nicas. . . . Os especialistas afirmam que aqueles que trabalharem suficientemente duro podem conseguir, todavia � pouco o que qualquer governo pode fazer para impedir totalmente o acesso � informa��o na Internet. Correios encriptados e subscri��es em provedores de servi�o fora do pais s�o duas op��es de seguran�a acess�veis aos indiv�duos "informaticamente" avisados para evitar os atuais controles da Internet. . . Se h� algo que os governos repressivos asi�ticos temem mais que o acesso sem restri��o a recursos medi�ticos exteriores, � que a competitividade de suas na��es na rapidamente crescente industria da informa��o possa ver-se comprometida. J� n�o mais se ouve altos protestos dos c�rculos comerciais de Singapura, Mal�sia, e China de que censurando a Internet podem, finalmente, atrapalhar as aspira��es das ma��es de serem tecnologicamente as mais avan�adas da regi�o". (Christian Science Monitor, 11 agosto 1993, 24 agosto 1995 e 12 novembro 1996.)
3. "Na era de p�s-guerra fria os pol�ticos descobriram na persegui��o dos criminosos um substituto � persegui��o da esquerda. Assim como o medo ao comunismo propagou uma expans�o sem impedimentos do complexo industrial-militar, a persegui��o ao crime produziu um crescimento explosivo do complexo industrial-correcional, tamb�m conhecido como ind�stria do controle do crime. Os que discordam da agenda de mais pris�es s�o marcados como simpatizantes de criminosos e traidores das v�timas. Como nenhum pol�tico se arrisca a levar o r�tulo de "brando contra o crime", uma espiral intermin�vel de pol�ticas destrutivas est� varrendo o pa�s. . . . A repress�o e a brutalidade ser� melhor promovida pelas institui��es diretamente beneficiadas por tais pol�ticas. A Calif�rnia incrementou sua popula��o de presidi�rios de 19.000 para 124.000 pessoas nos �ltimos 16 anos, pela constru��o de mais 19 novas pris�es. Com o incremento das pris�es, a Associa��o de Funcion�rios pela Paz nos Correcionais da Calif�rnia (CCPOA), o sindicato de carcereiros, emergiu como o mais poderoso lobby do estado. . . . Ao mesmo tempo em que as verbas estatais dedicadas � educa��o superior cai de 14,4 % para 9,8 %, as verbas dedicadas �s pris�es aumenta de 3,9 % para 9.8 %. O sal�rio m�dio de um guarda de pres�dio na Calif�rnia ultrapassa a 55.000 d�lares -- o mais alto da na��o. Este ano a CCPOA, juntamente com a Associa��o Nacional do Rifle, tem dedicado uma grande quantidade de dinheiro na promo��o e aprova��o da lei "three strikes, you�re out", [a terceira condena��o implica automaticamente em pris�o perp�tua]. O que significa triplicar o tamanho atual do sistema prisional ca Calif�rnia. As mesmas din�micas que se desenvolvem na Calif�rnia resultaram certamente do projeto de lei anti-crime de Clinton. Na medida em que uma parte cada vez maior de recursos � investido na ind�stria do controle do crime, seu poder e influencia crescer�". (Dan Macallair, Christian Science Monitor, 20 setembro 1994.)
4. Outras possibilidades s�o apresentadas bem detalhadamente no Workers� Councils and the Economics of a Self-Managed Society (edi��o feita pelo Solidarity de Londres sobre um artigo de Socialisme ou Barbarie de Cornelius Castoriadis). Este texto est� carregado de valiosas sugest�es, mas peca por assumir a vida centrada em torno do trabalho e do local de trabalho bem mais do que seria necess�rio. Tal orienta��o j� est� um tanto quanto obsoleta e provavelmente estar� mais ainda depois de uma revolu��o.
Michael Albert y Robin Hahnel: Looking Forward: Participatory Economics for the Twenty First Century (South End, 1991) inclui tamb�m uma serie de observa��es �teis sobre a organiza��o autogestiva. Mas os autores assumem uma sociedade sob uma economia monet�ria e o trabalho semanal � restrito a apenas 30 horas. Seus exemplos hipot�ticos s�o em grande medida modelados nas cooperativas de trabalhadores atuais e na "participa��o econ�mica" prevista. Inclui temas de mercado que seriam superados em uma sociedade n�o capitalista. Como podemos ver, tal sociedade tamb�m tem uma semana laboral bem mais curta, reduzindo a necessidade de preocupar-se com os complicados esquemas de rod�zio em diferentes tipos de trabalho que ocupa uma grande parte do livro.
5. Fredy Perlman, autor de uma das express�es mais extremas desta tend�ncia, Against His-story, Against Leviathan! (Black & Red, 1983), aporta a melhor critica de sua pr�pria perspectiva em seu livro anterior sobre C. Wright Mills, The Incoherence of the Intellectual (Black & Red, 1970): "Mills recha�a a passividade com que os homens aceitam sua pr�pria fragmenta��o, n�o mais lutam contra ela. O homem autodeterminado e coerente tornou-se uma criatura ex�tica que viveu em um passado distante e em circunstancias materiais extremamente diferentes. . . . O movimento fundamental j� n�o � mais o programa da direita que pode se opor ao programa da esquerda; agora � um espet�culo externo que segue seu curso como uma enfermidade. . . . A fenda entre a teoria e a pr�tica, o pensamento e a a��o, se amplia; os ideais pol�ticos j� n�o mais podem ser traduzidos em projetos pr�ticos".
6. Isaac Asimov e Frederick Pohl: Our Angry Earth: A Ticking Ecological Bomb (Tor, 1991) est� entre os resumos mais convincentes desta situa��o desesperadora. Demonstra a inadequa��o das pol�ticas atuais para resolver o problema, os autores prop�em algumas dr�sticas reformas que podem postergar as piores cat�strofes; mas n�o � prov�vel que tais reformas sejam implementadas enquanto o mundo estiver dominado por interesses conflitantes de estados-na��o e corpora��es multinacionais.
7. Para uma boa quantidade de sugest�es sobre as vantagens e inconvenientes de diferentes tipos de comunidades urbanas, passado, presente e potencial, recomendo dois livros: Paul e Percival Goodman: Communitas y Lewis Mumford: The City in History. O �ltimo � uma das mais penetrantes e compreensivas an�lises da sociedade humana jamais escritas.
Fim do cap�tulo 4 de "A alegria da revolu��o" de Ken Knabb, tradu��o de Railton Sousa Guedes. Vers�o original: The Joy of Revolution.
No copyright.
Cap�tulo 1: Coisas da vida
Cap�tulo 2:
Excita��o preliminar
Descobertas pessoais. Interven��es cr�ticas. Teoria versus ideologia. Evitar
falsas op��es e elucidar as verdadeiras. O estilo insurrecional. Cine radical.
Opress�o versus jogo. O esc�ndalo de Estrasburgo. A mis�ria da pol�tica
eleitoral. Reformas e institui��es alternativas. Corre��o pol�tica, ou
igualdade na aliena��o. Inconvenientes do moralismo e o extremismo simplista.
Vantagens da aud�cia. Vantagens e limites da n�o viol�ncia.
Cap�tulo 3:
Momentos decisivos
Causas das diferen�as
sociais. Convuls�es de p�s-guerra. Efervesc�ncia de situa��es radicais.
Autoorganiza��o popular. O FSM. Os situacionistas en maio de 1968. O obrerismo
est� obsoleto, mas a posi��o dos trabalhadores continua sendo o ponto central.
Greves selvagens e ocupa��es. Greves de consumo. O que podia ter acontecido em
maio de 1968. M�todos de confus�o e coopta��o. O terrorismo refor�a o estado.
O momento decisivo. Internacionalismo.
Cap�tulo 4:
Renascimento
Os ut�picos n�o prev�em
a diversidade p�s-revolucion�ria. Descentraliza��o e coordena��o. Salvaguardas
contra os abusos. Consenso, dominio da maioria e hierarquias inevit�veis.
Eliminar as ra�zes da guerra e do crime. Aboli��o do dinheiro. Absurdo da
maior parte do trabalho presente. Transformar o trabalho em jogo. Obje��es
tecnof�bicas. Temas ecol�gicos. O florescimento de comunidades livres.
Problemas mais interessantes.
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